A experiência no luxo contemporâneo

No universo do luxo contemporâneo, vender narrativas é mais importante do que vender produtos. A partir dessa premissa, a marca sul-coreana Gentle Monster explora com audácia o conceito de mercado de luxo. Fundada em 2011 por Hankook Kim, a marca se destacou rapidamente não apenas por seus óculos futuristas, mas também por adotar uma estratégia de luxury experimentation.

Nesse modelo, o espaço de varejo se assemelha mais a uma galeria de arte do que a uma loja tradicional. Assim, a compra deixa de ser uma simples transação e passa a ser uma experiência sensorial e artística.

HAUS NOWHERE: um ecossistema de luxo

Esse movimento ganha um novo patamar com a flagship HAUS NOWHERE, inaugurada em 2025, em Seul. O edifício de 14 andares abriga tanto o varejo quanto a sede da empresa-mãe Il Combined. Cada andar funciona como um universo temático, convidando o visitante a explorar o prédio por completo.

A Gentle Monster não é a única protagonista. O espaço reúne marcas do grupo como Tamburins (fragrâncias), ATiiSSU (headwear), Nudake (chá e sobremesas) e a recém-lançada Nuflaat (artigos para mesa). Todas ocupam ambientes cuidadosamente pensados para reforçar a identidade do ecossistema.

Em cada nível, instalações, cenários e elementos interativos disputam a atenção com os produtos. No terceiro andar, por exemplo, o visitante é envolvido pelo aroma da coleção de fragrâncias Sunshine, da Tamburins. Um estande de fotos alimentado por IA projeta sobre o corpo imagens digitais inspiradas no perfume escolhido, criando a sensação de “vestir” a essência.

No andar seguinte, o ambiente se torna acolhedor com o ritual de chás aromatizados e sobremesas da Nudake Tea House. As embalagens, desenhadas como extensões sofisticadas dos produtos, reforçam a identidade da marca. A experiência gastronômica, cuidadosamente orquestrada, desperta todos os sentidos e prepara o cliente para concluir sua jornada de compra.

O futuro do mercado de alto padrão

A estratégia da Gentle Monster, materializada na HAUS NOWHERE, catalisa mudanças estruturais no luxo contemporâneo. A experiência passa a ter mais peso do que o produto. Muitos visitantes não buscam apenas óculos, mas sim arte, narrativas e conteúdos para redes sociais. Isso cria um ciclo de engajamento contínuo que ultrapassa a compra em si.

Além disso, a integração das diferentes marcas dentro do mesmo espaço consolida um ecossistema múltiplo. Moda, olfato, gastronomia, arte e design convergem, levando o público a acreditar que tudo faz parte de um mesmo universo. Essa coerência estimula o consumo e amplia a força do grupo.

A visão disruptiva também responde ao avanço do e-commerce. Quando um produto pode ser adquirido em poucos cliques, a marca precisa oferecer razões concretas para a visita presencial. A aposta, nesse caso, é a cenografia imersiva, esculturas monumentais e espaços arquitetonicamente ousados.

Por isso, a atualização constante das instalações é essencial. Os ambientes foram projetados para serem mutáveis, garantindo que cada visita seja inédita e incentive o retorno frequente.

Desafios para a Gentle Monster

Apesar do impacto positivo da HAUS NOWHERE, a marca enfrenta desafios relevantes. O primeiro é a escalabilidade: manter flagships performáticas em diferentes cidades exige alto investimento em infraestrutura e curadoria, o que pode comprometer a exclusividade da proposta.

Outro ponto é a sustentabilidade. A necessidade de constantes atualizações esbarra em questões ambientais, que se tornam cada vez mais centrais no mercado de luxo.

Por fim, há o risco de a cenografia imersiva se sobrepor ao objetivo principal: a conversão em vendas. A experiência pode encantar, mas precisa, ao mesmo tempo, gerar retorno comercial.

Conclusão: emoção como valor do luxo

Com a HAUS NOWHERE, a Gentle Monster reforça sua identidade de vanguarda e aponta caminhos para o luxo do século XXI. O produto continua importante, mas o verdadeiro valor está na emoção e na narrativa criadas dentro de um espaço físico bem orquestrado.

O luxo, assim, se redefine: menos centrado no objeto em si e mais voltado para experiências que despertam sentidos e constroem memórias.

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Escrito por Esther Reinez Silva, Presidente do Insper Fashion Business